quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O Grande Homem

O Grande Homem





Sempre que passava na A28 na zona da Póvoa, deparava-me com um monumento que me surgia por uma das laterais. Uma majestosa escadaria com uma iluminação que me despertava.



Certo dia, perdido pela área, deparei-me muito mais perto do monumento em questão.
Parei, saí do carro e observei muito curioso, Não resisti, inverti a marcha e comecei a subir.
Uma avenida que me deixou deveras curioso, com belas árvores cujos troncos eram envolvidos por rosas de várias cores, ao fundo uma igreja muito bonita com dois coretos, duas capelas, ou seja, uma construção muito simétrica. Mas reparei que o meu objectivo não era a referida igreja, mas sim a longa escadaria que vislumbrava quando passava pela A28.
Um pouco a medo, contornei a rua e subi, não sei até onde mas queria saber cada vez mais, estava muito curioso.

A meio do percurso perdi-me e fui dar a uns campos. Assustadíssimo, retornei mas não desisti. Continuei a subida sem saber o que me esperava.

Avisto uma estalagem interessante, com bastante movimento e continuei. No topo deparo-me com uns fabulosos moinhos e uma soberba paisagem. Estava escuro… mas tal não me impediu de visionar o espaço que me rodeava. Era lindo!



Perdi algum tempo a digerir o que via. Achava que não era isso que procurava. Dei meia volta na tentativa de encontrar o que desejava, o que não demorou muito tempo, pois avistei um monumento algo raro.





Parei, nada me fez demover dos meus propósitos, apesar da hora tardia e do receio de estar só e num local completamente desconhecido. Se o que tinha visto me fez parar e me despertou, o que estava a ver ofuscou-me na totalidade. Era algo de imponente.

Sem saber qual a história ou o seu verdadeiro significado, estava extasiado a digerir tudo o que via… Toda a obra. Numa magnífica plataforma, dei de caras com uma paisagem onde o olhar perde a noção do que abrange.


Apesar do avançado da hora nada me demovia dos meus intentos, e estava longe de saber que até esse momento… eu nada sabia.

Na mesma plataforma um monumento. Parecia uma família a subir uma enorme subida. Pai, mãe com um filho no seu regaço, logo seguida de mais três filhos.



Era algo interessante e com pormenores que me faziam ficar de boca entreaberta, pois tudo era perfeito, desde os sapatos, os botões da camisa aos furos do próprio cinto das calças, até a mala de cartão com os cantos em metal… cheguei a colocar a minha mão e sentir o aveludado da zona das pernas, e era tudo em metal (bronze). Estava maravilhado e ao mesmo tempo sem saber onde estava e o porquê de algo assim tão perfeito.

A minha curiosidade aumentava a olhos vistos. Olhava todos os pormenores e quanto mais olhava mais via. Era algo fantástico e interrogava-me… quem? Porquê?

Vejo então uma placa na parte frontal do Monumento que diz “ Monumento ao Emigrante, Inaugurado em 5/9/1998, obra Idealizada e Realizada por Dr. Manuel Moreira Giesteira “. Por certo não estava a entender muito bem o porquê de um único nome, e numa data tão recente. Reparei que duas escadarias me levavam para a parte inferior. Desço por uma delas e deparo-me, à medida que desço, com algo de novo. Parecia um castiçal a segurar toda aquela estrutura.






Já na parte inferior vejo dois grandes painéis de bronze colocados na parede e estes com muitas coisas escritas. Chego mais perto e começo a ler pois estava com fome de informação.

Logo que começo a ler apercebo-me do grande feito e a minha boca mais se abriu pois nestas placas dizia:

“Neste Local Com a Aprovação da Confraria de S. Félix, foi Erigido este Monumento em homenagem aos imigrantes representadas pelas figuras de meus pais, aqui colocadas. “

Fiquei assim parado a olhar e a reler, várias vezes, e a falar comigo mesmo… “Um único homem a levantar tudo isto???”





Li e reli as referidas placas e fiquei com a certeza que o mentor da grande obra era o Dr. Manuel Giesteira, isto ainda me fez ficar mais apreensivo.

Na saída e em frente ao pé do monumento, vejo a enorme escadaria com sete patamares e um correr de jardins, em cada lateral, muito bem cuidados. Estava fascinado.




A minha curiosidade estava só no início, pois desde daí tentei saber o mais possível numa tentativa de falar com o referido Dr. Manuel e do Brasil, me foi dito que este teria muito prazer em falar comigo mas de momento estava em recuperação de uma intervenção cirúrgica. Passado algum tempo numa nova visita ao local notei algo de errado, uma bandeira a meia haste na igreja de Amorim e nos pés do monumento um ramo de flores sem mais nada. Tentei perceber o que se passara e recebi a noticia que mais receava “O falecimento do Dr. Manuel Giesteira”

Foi algo que me perturbou bastante pois é uma pessoa que, sem o ser, me é muito familiar.

Fiquei chocado por saber e constatar que no local nada foi feito. Apesar do autor da obra ter levantado quatro mastros em nenhum deles existia alguma bandeira ou um outro tipo de sinal de gratidão ou de pesar pela perda, por parte da junta de freguesia ou pela igreja de S. Félix … Pois obras destas não se ganham todos os dias.

É lastimável.

Tentei reter as informações e obter as que me faltavam… Já chamava ao local “O Meu Monte”.

Faço deste local o meu refúgio, e apesar de ser do Porto, desloco-me ao Monte São Félix, na Freguesia de Laundos, Concelho da Póvoa de Varzim, com bastante frequência.  


O Monumento



Há muito tempo que o Dr. Manuel Moreira Giesteira sonhava construir nesta cidade da Póvoa de Varzim, uma obra que fosse uma homenagem aos seus pais e a todos aqueles que desta terra saíram pelos mais variados motivos, em busca de uma vida mais digna para si e para o seus familiares; aqueles que tiveram necessidade de emigrar, com todas as dificuldades e lutas que enfrentaram logo nos primeiros momentos da saída, mares bravios e agitados, caminhos e atalhos desconhecidos e cheios de perigo, noites mal dormidas e, às vezes, ao relento, tendo como cobertor as estrelas do céu.
Localizado no alto do Monte São Felix, na Freguesia de Laundos, Concelho da Póvoa de Varzim, em Portugal.
O monumento, erguido com 100 toneladas de granito e 1.200 quilos de bronze, tem 328 degraus para o seu acesso, 7 patamares contendo 2 capelas por patamar, representando a via sacra e 15 no seu total, tem 2 jardins laterais ao longo de todo o percurso com várias formas entre elas as bandeiras de Portugal e do Brasil e no seu alto, uma plataforma que suporta as estátuas ”Monumento ao Emigrante”, representados pelas figuras de seus pais a quando a partida para o Brasil, as estátuas, de tamanho natural, cujos rostos reproduzem fielmente os integrantes da família à época, foram fundidas pela Fundiart, Piracicaba, Brasil e levam a assinatura do artista plástico Aucione Torres D' Agostini.
A obra custou um total de 200 mil contos [1 milhão de euros] e demorou cerca de dois anos para a construir, “mas tudo vale a pena quando se trata de concretizar um sonho de uma vida de sacrifício e trabalho, como é a de todo o emigrante”, lembrou o Dr Giesteira realizador do Monumento no dia da inauguração, 5 de Setembro de 1998, na presença de convidados como o Secretário de Estado das Comunidades, José Lello, o Arcebispo Primaz de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, ou o representante da Comunidade Brasileira, António Haddad.
Estiveram no local cerca de 20 000 pessoas a participarem do evento.
A convite do Dr. Giesteira esteve presente a cantora Dulce Pontes, com a sua voz cristalina, que durante hora e meia trouxe aos presentes, várias jóias da canção portuguesa, emocionando todas as pessoas.
Com bastante entusiasmo dos presentes, a festa teve muito sentido. Encerrou-se a noite comemorativa com espectacular queima de fogos de artifício ao som de músicas clássicas.


O Escultor



A escultura do “Monumento ao Emigrante” demorou cerca de um ano a ser construída.
O seu autor é Aucione Torres D' Agostini, artista plástico, escultor, pintor e professor de 65 anos, natural de Garça, estado de S. Paulo – Brasil.
Professor de artes, trabalha em artes plásticas desde os 12 anos de idade. Doutorado em Artes pela Universidade de S. Paulo, gosta de artes gráficas, é escultor, pintor, desenhista, caricaturista e tem uma escola de artes em Bauru.
Explica o artista brasileiro que:
“O Dr. Giesteira alugou dois contentores, as peças foram devidamente embaladas e vieram normalmente. Chegaram em Outubro de 1997 e ficaram à minha espera até hoje (27 de Agosto de 1998) para eu assistir à montagem das estátuas no Monumento. (…)
As esculturas, dois adultos e três crianças, traduzem a partida de uma família. E eu procurei flagrar uma família cujo chefe sai num momento de ousadia total, ou tudo ou nada, então ele joga tudo num só acto – levar os filhos e a esposa para um continente que ele desconhece, rompendo os laços daqui: deixou amigos, a terrinha que ele bem conhecia e foi tentar a sorte noutro continente. Eu tentei captar as fisionomias, ele lidera a fila, para a entrada de um navio, com a fisionomia tensa, a mãe, logo atrás, com um filho ao colo, dá a mão ao miúdo que vacila e logo a seguir o mais velho que seria o Dr. Giesteira e atrás, cerrando a fila, vem o do meio, arcado com um saquinho às costas, sendo a curva do corpo que fecha o ângulo do volume das massas das figuras que estão subindo (…).
Tive que criar uma realidade paralela porque eu não dispunha, nem o próprio Dr. Giesteira, de fotos que documentassem as roupas de época, então seria uma roupa simples como ele mesmo disse, eram pobres. Eu procurei criar uma textura de um tecido pesado, feito quase artesanalmente e simplifiquei ao máximo porque o que me importava ali era dar ênfase à expressão dos rostos, dos movimentos dos corpos”.

O Mestre Aucione faleceu com 74 anos na madrugada de 3 de Março de 2007.



O Autor



O Dr. Manuel Moreira Giesteira, nasceu em 8 de Outubro de 1944 na Freguesia da Aguçadoura, Concelho da Póvoa de Varzim.
Filho de José Martins Giesteira e Luzia Gomes Moreira.
Casou com Palmira Júlia Gutierres Giesteira, com quem teve dois filhos. Em 1971 nasceu Flávio Gutierres Giesteira e em 1974 nasceu Marcílio Gutierres Giesteira. Mais tarde casou com Patrícia Pires Martins Giesteira, com quem viveu até ao fim dos seus dias.

Fez escola primária na Aguçadoura e em 1955, apenas com 11 anos, emigrou para o Brasil juntamente com sua família (pai, mãe e 3 irmãos) e foram residir na cidade de São Paulo, onde o seu pai fazia limpeza numa agência bancária.
Quando chegou ao Brasil, foi estudar para o Seminário dos Padres Salesianos saindo aos 14 anos.
Em 1959 ingressou como " mensageiro; auxiliar de escritório" no extinto Banco Português do Brasil.
Aos 17 anos prestou exame para a entrada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no curso de Direito, tendo-se formado com 22 anos.
Aos 20 anos passou a Gerente Geral de Operações do Banco Português do Brasil.
Aos 24 anos foi nomeado Advogado Chefe do referido Banco.
Aos 24 anos prestou Provas e Concurso de Títulos, perante o Ministério da Educação e foi aprovado como Professor Titular da disciplina de Direito Tributário na Faculdade de Economia e Gestão de Empresas e Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito, ambas as Faculdades integram a Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).
Aos 25 anos pediu demissão do Banco Português do Brasil e montou escritório próprio de advocacia, tendo exercido a profissão de Advogado e Professor até aos 52 anos.
Foi advogado e consultor jurídico, na área tributária e comercial de várias empresas brasileiras.
Ingressou na actividade empresarial, possuindo empresas de participações e empreendimentos (alimentos super-gelados, hotelaria, etc...).
É accionista de vários bancos e empresas industriais brasileiras.


Acções Beneméritas




O Dr. Manuel Giesteira, patrocinou a criação do site www.paramiloidose.org, para divulgação da doença paramiloidose, pouco conhecida.
A “Doença dos pezinhos” é uma doença genética característica da região da Póvoa do Varzim.
Com este feito é possível um contacto directo para a sua divulgação e informação no mundo.


Em 5 de Setembro de 1998 inaugura a construção de um sonho antigo, o Monumento ao Emigrante localizado no alto do Monte São Félix, na Freguesia de Laúndos, Povoa de Varzim. Para além de custear toda a obra, garantiu a sua manutenção.
O seu conjunto escultório representa a partida da família Giesteira para o Brasil em 1954.


Em 5 de Setembro de 1998 inaugura o restauro interior e exterior da Igreja paroquial de Amorim. Obra suportada integralmente pelo próprio.


Em 13 de Abril de 2002, na paróquia de Amorim, na Póvoa de Varzim, em conjunto com o Pároco Guilherme Guimarães, formam um projecto cultural único na igreja em Portugal.
Um conjunto de coros, entre os quais de câmara, cujas despesas com a sua formação musical foram integralmente por si suportadas.




E membro e participa financeiramente na Associação de Assistência à Criança Defeituosa e na Associação de Pais de Amigos dos Excepcionais de Lagoa Vermelha do Rio Grande do Sul.




Em 2003 são inaugurados os jardins completamente remodelados da igreja de Amorim.
Já anteriormente a Igreja tinha sido toda restaurada pelo mesmo benemérito que pagou na íntegra as despesas relativas a ambos os projectos. Quer a remodelação da Igreja quer a reconstrução dos jardins estiveram a cargo da arquitecta paisagista Naya Adam.


Em Fevereiro de 2004, procedendo à entrega de 100 cestas básicas numa comunidade bastante carenciada de Guarulhos, Brasil, chegou à conclusão que o donativo seria insuficiente para fazer face às necessidades existentes. Sem que ninguém soubesse, sem alarido como era seu apanágio, resolveu fazer grandes reformas na Pastoral.
Fundou assim o Instituto Manuel Moreira Giesteira de Promoção Humanitária, que será o principal herdeiro do seu património. Uma entidade sem fins lucrativos para beneficiar a comunidade carente do Cabuço, uma das maiores favelas de S. Paulo, dando apoio a mais de 400 crianças. Terminada a construção do Instituto, este acolherá diariamente 1500 crianças, desde alimentação, cuidados médicos, ensino, desporto, formação dos pais, tudo será conjugado numa educação integral e na promoção humana de quantos vivem naquela favela.


Em Novembro de 2007 o jornal Valor Económico do Brasil dá-lhe honras de primeira página
“O advogado surpreende pelo uso do dinheiro”.


Em Agosto de 2008 o Dr. Manuel Moreira Giesteira, fica gravemente doente, acabando por falecer a 7 de Julho de 2009.
Em14 Julho de 2009, 3ª feira foi feita uma bonita homenagem pela população de Amorim, que compareceu em grande número à missa de 7º dia. A cerimónia foi presidida pelo pároco de Amorim, Guilherme Peixoto.


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